Parece que tudo vai bem na gestação, até que, ainda longe da data prevista para o nascimento, um desconforto começa a incomodar. A gestante vai ao médico e descobre que o colo do útero já está dilatado e a bolsa já está até aparecendo. O parto se torna inevitável. O bebê está vivo e nasce prematuro, mas muitas vezes acaba falecendo logo após o nascimento porque ainda estava muito novo. Você já ouviu alguma história assim?
O que aconteceu, afinal?
Possivelmente, o diagnóstico é uma Insuficiência Istmo Cervical, também conhecida como Incompetência Istmo Cervical, ou simplesmente “IIC”. Trata-se de uma fragilidade do colo do útero que torna o corpo da mãe incapaz de suportar o peso da gravidez.
Esta é uma consequência da evolução humana, por sermos mamíferos que andam em pé. Enquanto nos outros mamíferos a gestação é sustentada pelos músculos da barriga, nas humanas o peso do bebê, da placenta e do líquido vai todo para o colo do útero, uma superfície mais estreita e que tem uma abertura. Apesar de termos desenvolvido um conjunto muscular muito mais forte ao longo da história, algumas mulheres não apresentam o fortalecimento necessário, seja por uma questão congênita na formação do colágeno ou por uma pequena malformação do útero.
Então, na 12ª semana, quando o útero começa a crescer junto com o bebê e a placenta, o colo do útero passa a sofrer uma pressão significativa, e isso faz com que ele, lentamente, vá sofrendo um processo de abertura de dentro para fora.
Quanto às causas, basicamente, a IIC acontece por um destes dois motivos: ou a mulher tem uma condição congênita e já nasceu com esta característica, como dito anteriormente, ou ela passou por algum processo que provocou um trauma no colo do útero, como uma dilatação para curetagem ou um procedimento cirúrgico.
Quando o diagnóstico chega da maneira mais difícil.
Infelizmente, a maneira mais comum de descobrir a IIC é através da perda gestacional. Se a gestante não costuma sentir dor ou ter queixas, nem ela e nem o médico vão desconfiar que isso possa ocorrer. E quando ela finalmente percebe que tem algo errado, a dilatação já aconteceu, a membrana já entrou em contato com o ambiente vaginal e isso que faz com que a gestação dificilmente possa progredir.
A partir do momento no qual existe um contato das membranas com as bactérias que estão na vagina, elas provocam um processo inflamatório, que as enfraquece e acaba rompendo a bolsa ou desencadeando um trabalho de parto.
E não há nenhuma forma de identificar a IIC na primeira gestação?
Há sim! Com controle do colo do útero através do ultrassom transvaginal.
Essa, porém, não é uma prática usual entre obstetras e médicos que realizam o ultrassom durante o pré-natal. Mas, além de não apresentar riscos nem à gestante nem ao bebê, a partir da 16ª semana já é possível notar se o colo do útero está curto ou se existe algum grau de dilatação do orifício interno, o que deixa a gestante mais propensa à prematuridade.
Quando isso é identificado de forma precoce, é possível fazer uma intervenção chamada cerclagem, que evita que a dilatação progrida.
E antes de engravidar, é possível saber que tenho IIC?
Existem alguns exames que podem sugerir a condição.
O primeiro deles é um exame conhecido como Prova da Vela. É um exame ginecológico clássico, que deve ser feito fora do período ovulatório. Trata-se da introdução de um instrumento chamado Vela de Hegar pelo orifício externo e depois pelo interno do colo uterino para observar se há resistência do corpo ou não. Se uma vela com diâmetro de 8 mm puder ser introduzida através do colo uterino até a parte interna da cavidade sem provocar dor, está confirmado o diagnóstico.
Outro exame é a Histeroscopia, que é uma endoscopia da cavidade uterina que permite, assim como na Prova de Vela, que o médico observe se existe uma resistência grande ou não à passagem do instrumento ótico pelo canal cervical.
E a Histerossalpingografia é um exame de raio-x do útero e das trompas, com a utilização de contraste iodado que é injetado cavidade uterina e permite observar o formato do colo do útero.
Depois da descoberta, é possível evitar que uma perda gestacional aconteça?
Não há nenhum tratamento definitivo que traga cura para a insuficiência. Mas existem procedimentos que podem driblar suas complicações, principalmente evitar que a IIC leve ao parto prematuro.
Na cerclagem uterina o cirurgião usa um fio que dá a volta no colo do útero, reforçando seu fechamento, para tentar impedir a dilatação com o peso da gravidez.
A primeira técnica conhecida, chamada Cerclagem de Shirodkar, foi proposta em 1955, com a indicação de ser realizada durante a gravidez e retirada antes do parto. Logo depois, de 1957, a técnica de McDonald propunha uma nova abordagem, indicando a passagem do fio por 4 pontos específicos do colo do útero antes de amarrá-lo que também é retirado antes do parto.
A questão com ambos os procedimentos é que a localização do fio, abaixo do orifício interno do colo do útero, não é efetiva para todos os casos de IIC, havendo falhas no processo. Além disso, na cerclagem definitiva, um aperfeiçoamento do procedimento proposto por Shirodkar, o ponto fica acima do canal uterino, o parto não poderá ser normal e precisará ser cesárea, diferente da cerclagem feita na gravidez, seja McDonald ou a Shirodkar clássica.
Com o passar dos anos, foram desenvolvidas técnicas que modernizaram o procedimento e aumentaram suas chances de sucesso. Já é possível, por exemplo, realizar a cerclagem na fase pré-gestacional.
A cerclagem pré-gestacional pode ser feita com uma evolução da técnica vaginal originalmente proposta por Shirodkar e ao invés dos fios de sutura ficarem expostos na mucosa vaginal, eles podem ser sepultados sob a mucosa da vagina e assim alcançar uma posição mais próxima do orifício interno, com melhora significativa dos resultados. Essa técnica é conhecida como Shirdokar-Barini, que é a cerclagem definitiva, tendo sido desenvolvida pelo Dr. Ricardo Barini, na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas – SP).
Outros caminhos mais recentes são a cerclagem feita por videolaparoscopia e a por via abdominal. Na via abdominal, o procedimento acontece com 12 ou 13 semanas de gestação e é semelhante a uma cesárea: o útero é exposto e o médico passa o fio.
Para as mulheres que passam por uma perda gestacional parecida com a descrição da IIC, é muito importante realizar os exames que fechem o diagnóstico. Aquelas que já sabem que têm a insuficiência precisam encontrar um médico que conheça sobre IIC e as diferentes técnicas de cerclagem e conversar bastante com ele para definir a melhor abordagem para o caso. E, principalmente, devem fazer o acompanhamento de pré-natal de forma muito criteriosa. Com todos esses cuidados é possível aumentar significativamente as chances de controlar a ação da IIC e levar a gestação até um ponto seguro para o nascimento do bebê.